quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Show: Ana Cañas no Estrela da Lapa

Ana Cañas despontou na cena paulistana cantando standards de jazz no Baretto. Quando montou sua página no Myspace e disponibilizou a primeira música de sua autoria, "Devolve Moço", uma peça primorosa jazz-pop-mpb que combina o scat-singing com um trompete sinuoso sobre uma base de balanço swingado, criou boas expectativas. Despertou o interesse das outroras grandes gravadoras e acabou se tornando a primeira contratada da Day 1 (leia-se Sony BMG). Amor e Caos foi lançado, recebeu ampla cobertura midiática e as críticas foram uniformes: sem dúvida uma grande cantora, de voz firme e potente, mas uma compositora ainda imatura. Esta equação resultou em um disco irregular, com arranjos pop-rock bastante convencionais. Não empolga ou emociona o ouvinte, embora o primeiro single, "A Ana", venha tocando bastante em algumas rádios. A inventividade dos metais e das programações eletrônicas parecem restritas a "Devolve Moço", que na verdade foi gravada sem a participação do produtor Alexandre Fontanetti, antes das sessões de Amor e Caos.

O show de lançamento de Amor e Caos no Rio de Janeiro ofereceu uma perspectiva realista do que Ana Cañas virá a enfrentar antes de se consolidar como cantora e compositora e de formar um público fora dos domínios paulistanos. A grande maioria dos presentes no Estrela da Lapa estava lá para conhecê-la mais a fundo e não poporcionou uma recepção das mais calorosas. O burburinho de vozes no fundo da casa rivalizava com a potência vocal da cantora. Exagerada nos maneirismos em sua performance de palco, por vezes Ana chama mais atenção por sua movimentação corporal, saltos, caras e bocas, o balançar da cabeleira esvoaçante do que pela música. Talvez fosse um artifício para vencer o nervosismo aparente de sua estréia oficial em terras cariocas, embora ela já houvesse se apresentado no palco palco paralelo do Morro da Urca na mesma noite que a colega de gravadora Bebel Gilberto, em janeiro.

No palco fica ainda mais evidente a base roqueira latente no disco. Sua banda é formada por dois guitarristas, baixista, baterista e tecladista. Os covers que ela escolheu para ampliar o repertório do show também: na suave interpretação de "The Wind Cries Mary", de Jimi Hendrix, a melodia vocal ganha uma amplitude que a voz do guitarrista não era capaz de alcançar; "Eu e meu gato" é antes um tributo à Rita Lee do que uma releitura renovada da canção.

A versão estendida de "Coração Vagabundo", com longa introdução em voz e violão, foi a deixa para que Ana tentasse estabelecer uma conexão direta com o público. Com gestos, pediu para que os presentes cantassem junto com ela. A participação começou tímida. Quando deixados a sós na tarefa de cantar, apenas uma ou outra voz se sobrepunha ao dedilhado do violão. No fim, houve mais interação. De sua própria lavra, os pontos altos foram a supra-citada "Devolve Moço", que estabelece uma ponte com o público mais familiarizado às suas canções, e "Mandinga Não", que abriu o show e reapareceu no bis. Uma terceira canção que se destaca em Amor e Caos é a versão de "Super Mulher", de Jorge Mautner. Se no show ela perde a sutileza do arranjo percussivo de Naná Vasconcellos, ganha em energia e intensidade irradiadas pela voz de Ana. Veja:



Entre a instantaneidade do Myspace e o imobilismo da velha indústria cultural, há múltiplas possibilidades. Inclusive, não se deve descartar a associação entre ambos os extremos. Mas o certo é que o céu não está para poucas estrelas solitárias e sim para diversas constelações. A música depende de processos associativos. Ana Cañas conquistou o seu espaço, tem predicados artísticos, mas ainda há uma trilha a ser percorrida até que encontre o seu lugar.

Nenhum comentário: